Um rosto da dignidade

A precariedade das relações laborais arrasta-se há demasiados anos. O objectivo é claro. Através da insegurança que criam nos trabalhadores o patronato com o apoio de sucessivos governos – do PS, PSD e CDS – pretendem impedir que estes se organizem, se sindicalizem e lutem por condições de trabalho dignas. Pagar baixos salários, não reconhecer direitos sociais como o direito a férias ou aos subsídios de férias e de natal, o direito à segurança social, ou não assumir as responsabilidades sociais que cabem às empresas, fugir com as contribuições para a segurança social é o que patrões, como os que operam no porto de Setúbal, procuram fazer no sentido de maximizar os seus lucros à custa da exploração dos trabalhadores.

Não é por acaso que uma das reivindicações dos estivadores é a exigência de um efectivo contrato colectivo trabalho que combata a precariedade existente e fixe as condições de trabalho entre as partes. Trabalho com dignidade significa a consagração contratual de deveres mas também de direitos entre patrões e trabalhadores.

Ora, a precariedade das relações laborais expandiu-se como uma nódoa de óleo em todos os sectores de actividade, incluindo a própria Administração Pública Central e Local.

Tomando este exemplo não é estranho que o sector privado vá sempre mais além e tente implementar relações de trabalho autenticamente esclavagistas. Aos trabalhadores precários chamam-lhe eventuais, bolseiros, tarefeiros, avençados ou a recibo verde. A finalidade é sempre a mesma, pagar pouco e não lhes reconhecer os direitos sociais, fragilizando-os ao ponto de estes terem receio de reivindicarem face à insegurança em que vivem.

O que se passa com os trabalhadores precários do porto de Setúbal é revoltante e indigno. Na verdade as entidades patronais pretendem manter um tipo de contratação de trabalho vergonhoso e esclavagista. Antes do 25 de Abril era costumeiro, designadamente entre os trabalhadores agrícolas, o trabalho à jorna. Salários miseráveis, sem protecção social. Os trabalhadores iam às praças de jorna para os agrários escolherem quem bem queriam, pelo tempo que queriam, pagando o que entendiam.

É o que se passa no porto de Setúbal. Verdadeiramente os trabalhadores nem em greve estão já que não têm qualquer vínculo laboral. São contratados dia a dia e despedidos no fim de cada dia de trabalho. Portanto, o que sucede é que os trabalhadores se recusam, e bem, a trabalhar em condições indignas anos a fio, com total insegurança e com as suas vidas em suspenso.

Tudo isto é confirmado por dados muito recentemente divulgados que mostram a pobreza a crescer à custa de cidadãos que embora trabalhando acabam por cair nesta situação face às miseráveis condições de trabalho que lhes são impostas.

Estima-se que mais de 1 milhão de portugueses é pobre mesmo tendo trabalho.

Ora, é por tudo isto que temos que nos solidarizar com os trabalhadores precários de todo o país – na Administração Pública, no sector do Turismo, no sector Hoteleiro, no sector Portuário, e em todos os outros – contra esta ignomínia. Todos estes sectores da actividade económica são uns dos que mais têm crescido e mais receitas e lucros geram. Solidarizar e lutar exigindo profundas alterações às leis laborais que respeitem o trabalho e a dignidade dos trabalhadores.

A foto que acompanha este texto é a de um estivador de Setúbal, um trabalhador jovem que com olhar sereno e palavras assertivas diz com clareza o que os move. Nele e na dignidade com que luta presto a minha solidariedade a todos quantos vivem a angústia de verem que os poderes instituídos lhes roubam o presente e os querem impedir de ter futuro.

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