Euro Noves Fora Nada

 

Como sempre sucede todos os anos, em vésperas da apresentação e debate do Orçamento de Estado, a Comissão Europeia (CE) pressiona Portugal para que prossiga a todo o custo o objectivo de atingir o défice zero.

Num texto hoje publicado no JN (aqui) o jornalista Rafael Barbosa afirma que “Estamos no tudo por tudo pelo défice de 0,1%. Não interessa que isso não resolva nenhum problema.” Diz ainda que “aos utentes do Serviço Nacional de Saúde, se preciso for, continuarão a faltar médicos, enfermeiros e demais funcionários, com as urgências a fechar à noite, e o tempo de espera para uma consulta ou cirurgia (incluindo em doentes com cancro) a crescer.” O mesmo se pode dizer com as necessidades de que a generalidade dos serviços públicos carecem seja na Educação, nas forças de segurança ou na falta de investimentos na ferrovia.

Tudo para a CE estará bem desde que o défice seja zero ou haja superávite. No referido texto Rafael Barbosa conclui que “É mais um recorde e mais um golo de belo efeito para o Ronaldo do Eurogrupo. Muito mais importante do que a Saúde, a Educação ou a vida precária de um precário.”

Esta conclusão, porém, em vez de ser um golo é antes uma bola na trave. Na realidade, o “Ronaldo do Eurogrupo” não faz diferente porque a ortodoxia da CE (que Centeno também partilha) defende o modo como o Euro está estruturado – visando favorecer as economias mais fortes e mais ricas – e não permite outras políticas que não seja as do pensamento único celebremente conhecido como “TINA – There Is No Alternative”.

Ou seja, o que está em causa é de facto a necessidade de pôr em causa o Euro e o modo como está estruturado, a política monetária seguida, a forma como se trata as dívidas públicas, o poder dos grandes interesses financeiros e dos grandes grupos do comércio internacional.

Num excelente artigo – “Os 20 anos do euro: o problema das lentes a “preto e zero” – dos economistas Ricardo Cabral e Ricardo Sousa, publicado no Jornal Público de 23 de Outubro, (aqui) sobre os problemas causados pela moeda única, as desigualdades que provoca entre povos e estados são muito claramente apontados. O Euro é encarado como um problema que a não ser corrigido continuará a acentuar as desigualdades e a empobrecer a maioria a favor dos mais ricos e poderosos.

Ora, é precisamente a necessidade de alterar radicalmente o Euro e a política monetária seguida que Rafael Barbosa no seu texto não encara a exemplo, aliás, do que faz a quase totalidade dos média e da opinião publicada no nosso país. A tal ponto vai isto, que quem ponha em causa a estrutura do Euro, ou defenda a necessidade de reestruturar a dívida para que se libertem os meios financeiros necessários ao investimento é, no nosso país, crucificado e acusado de tudo e mais alguma coisa.

E assim continuamos a lamber as nossas feridas, recusando tirar a prova à realidade de que Euro noves fora nada.

3 pensamentos sobre “Euro Noves Fora Nada

  1. Já há muito tempo ouço dizer que a estrutura do euro como é, favorece os países ricos, mas ninguém explica a um não economista como é que se passa e eu gostava de perceber

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    1. “A partir de 1 de Janeiro de 1999, o euro tornou-se na média ponderada de moedas com taxas de câmbio (reais) associadas a estruturas produtivas diversas. Ao aderirem a uma moeda demasiado forte, os decisores políticos de países como Portugal aceitaram aplicar um imposto implícito sobre os seus sectores transaccionáveis, transferindo-o todos os anos, sob a forma de subsídio implícito, para os sectores transaccionáveis de países como a Alemanha, para o qual o euro permanece subvalorizado.

      “A moeda única resulta, assim, num subsídio recorrente aos países com estruturas produtivas mais fortes e num imposto, também recorrente, aos países com estruturas produtivas mais fracas. É, portanto, falacioso o discurso da Alemanha quando, a respeito dos superávites excessivos da sua balança corrente no “procedimento relativo aos desequilíbrios macroeconómicos” (PDM) da Comissão Europeia, invoca não fazer sentido aplicar impostos à sua “competitividade”.

      Como refere Jan Priewe (HTW Berlin –​ University of Applied Sciences), a força da indústria alemã “surge paralelamente à desindustrialização de outros Estados-membros” e o superávite da balança corrente reflecte as “disfuncionalidades” da União Europeia. É uma “bomba-relógio” para a coesão.

      O euro – enquanto sistema de impostos-transferências implícitos – deveria, por isso, ser compensado por um sistema de transferências-impostos explícitos (de Estados ricos para pobres).”

      texto – Os 20 anos do euro: o problema das lentes a “preto e zero” dos economistas Ricardo Cabral e Ricardo Sousa

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