As Proclamações e a Realidade ou como encanar a perna à rã

Neste tempo de pandemia não faltam declarações solenes, autenticas proclamações, de apoio aos mais desfavorecidos. Afirmam alto e bom som “ninguém fica para trás”, os profissionais de saúde e os que tratam dos mais velhos em lares de idosos são enaltecidos.

Retórica desta não falta mas quando atentamos na realidade o caso muda completamente de figura.

Há uns tempos escrevi “que muitos dos Lares não têm nem os profissionais necessários, nem outros meios para cumprirem com os serviços que contratualmente assumiram prestar.”

“Tratam mal as pessoas que dependem dos seus cuidados, como tratam mal os seus profissionais a quem pagam mal, sobrecarregam com trabalho e descuram a sua formação profissional.”

Pois bem, há dias um relatório do Fundo Europeu para as condições de Trabalho (Eurofound) revela que Portugal paga dos salários mais baixos da UE nos cuidados a idosos. O nosso país é mesmo o quarto que mais mal paga na Europa, só atrás da Roménia, Itália e Eslovénia. Os auxiliares pouco mais recebem do que 600,00 € brutos mensais e um enfermeiro um pouco mais de 900, 00 €. A maioria dos profissionais (81%) são mulheres e destas 38% têm 50 ou mais anos.

Se a isto acrescentarmos horários e cargas de trabalho intensos, a generalização da precariedade (uma legião de recibos verdes), fácil é de concluir que estamos perante situações que são estruturais.
O que a pandemia revela são anos de políticas que desvalorizam a componente social atirando para “anexos” pessoas debilitadas, carentes de afecto e de respeito.

É inaceitável que se faça dos cuidados prestados aos mais velhos um negócio puro e duro em que o que conta para os proprietários dos Lares é o lucro fácil à custa dos seus utentes e dos profissionais que lá trabalham.

O Estado que financia com milhões de euros, através da Segurança Social, os Lares privados do sector social quer sejam das IPSS, das Misericórdias ou outras instituições, demite-se do seu dever fiscalizador deixando estes lares em roda livre.

A ausência de políticas públicas orientadas no sentido da criação de uma rede pública de apoio aos idosos, com várias valências como alternativa até à sua institucionalização, mostra bem como sucessivos governos têm soçobrado a interesses muito particulares do negócio na prestação de serviços e apoio aos mais velhos.

Tem que haver políticas diferentes centradas nas pessoas concretas e tendo em conta a diversidade e a pluralidade das situações em que se encontram os mais velhos.

Podem proclamar aos quatro ventos que os idosos são credores de todo o apoio, que os trabalhadores (colaboradores no linguarejar de uns quantos patrões) são também credores de todo o respeito que, mantendo-se a situação tal como está, nada valem proclamações vazias de sentimentos que só servem, como o povo diz, “ para “encanar a perna à rã”.

2 pensamentos sobre “As Proclamações e a Realidade ou como encanar a perna à rã

  1. Excelente texto Miguel. Se as Inspecções fizessem o seu trabalho, tal e qual os Ministros e Secretarios de Estado da área que nos vão desgovernando, ano após ano, este negócio dos Lares não seria certamente tão florescente,,,,

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  2. Concordo inteiramente com o que dizes. É mesmo um negócio puro e duro! E a falta que faz a fiscalização é notória. Como é que “descobrem” agora os lares ilegais?

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